Pelourinho sim,
Sinhozinho!
Um dos aspectos
mais interessantes da democracia, especialmente quando ela permeia a linha
editorial dos jornais, é a diversidade de opiniões. Num jornal com sólida
convicção democrática, mesmo que exista certo viés para um lado ou outro,
sempre haverá espaço para opiniões divergentes, mesmo as eivadas das mais rematadas e óbvias idiotices. Afinal de contas, o próprio conceito de “idiotice” é
subjetivo, não é? Essa é a maldição dos veículos da esquerda: por ser, na sua
essência, antagônico ao próprio conceito de liberdade tão própria da
democracia, o jornalismo de esquerda acaba se tornando, antes de mais nada,
absurdamente monocórdico e chato. Sempre mais do mesmo, por assim dizer. Os
conceitos que a esquerda traz em seu bojo são tão insustentáveis (embora
sedutores para os idealistas do jeitão de ser “Imagine all the people”), que só
mesmo às custas da fé cega, embalada por mantras e mentiras repetidas à exaustão, se mantém
como opção viável na mente de alguns. Eis o motivo pelo qual a leitura de
revistas e blogs da esquerda acaba sendo enfadonha, ainda mais num período como
o atual, no qual eles são obrigados a defender o indefensável - o governo petista, tão pródigo em produzir fracassos que são vendidos ao povaréu como se fossem vitórias. É sempre o mesmo
blá-blá-blá, acerca das glórias do governo proto-bolivariano que se instalou no
país a partir de 2003. Qualquer notícia que possa abalar essa crença cega é
automaticamente queimada na pira da “revolução cultural” como sendo uma “calúnia”
urdida pelos “reacionários”. E, em consequência, não deve ser nem mesmo lida. É fácil constatar isso na prática: os esquerdopatas
de plantão batem no peito e afirmam que “jamais” leem a Veja (embora talvez o
façam escondidos...), como se o simples ato de ler algo que não se alinhe ao seu modo peculiar de ver o mundo seja suficiente para abalar-lhes as convicções. A esquerda e os vampiros temem a luz. Enquanto isso, nós, os “reacionários” nos divertimos muito
mais: não nos furtamos a ler os Brasil247 e CartaCapital da vida, nem que seja
para desopilarmos o fígado com tanta bobagem.
Dentro desse
espírito, embora seja divertido, nem é preciso recorrer aos blogs sujos, financiados com recursos
públicos, para ler besteiras de grosso calibre. Veículos como O Globo, o Estadão e a Folha de São
Paulo, tidas como esteios da “grande mídia empresarial” e, portanto,
“de direita”, pela esquerda hidrófoba, não se furtam a publicar opiniões e artigos que mais parecem "press-release" do PT. Justamente por ser livre, a democracia aceita até mesmo opiniões que a ferem na própria essência. É a sua natureza. Algumas publicações são apenas proselitismo petista. Outras são obras-primas da tolice. Algumas combinam as duas coisas.
Há dias, o bacharel em filosofia e articulista da Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, publicou uma opinião no jornal. Permito-me replicá-la aqui, na íntegra. Comento a seguir.
Há dias, o bacharel em filosofia e articulista da Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, publicou uma opinião no jornal. Permito-me replicá-la aqui, na íntegra. Comento a seguir.
“Médicos no
pelourinho?”
“Os
cubanos que participam do Mais Médicos estão num regime de trabalho análogo à
escravidão? Meu amigo Ives Gandra da Silva Martins escreveu um interessante
artigo tentando mostrar que sim. Destrinchou o contrato que rege a atuação
desses profissionais no Brasil e foi apontando as muitas ilegalidades em que
incorre.
Do
ponto de vista jurídico, Ives tem razão. Se o Ministério Público do Trabalho
quiser, não terá dificuldades para questionar o Mais Médicos. Penso, porém, que
juízos valorativos acerca do programa devem ser feitos com base em
considerações éticas e não jurídicas. Afinal, se há algo perto de um consenso
acerca da legislação trabalhista brasileira é o de que ela é ruim, amarrando
demais as relações entre patrões e empregados.
E, no
plano da ética, a discussão é mais complicada. Sei que o Ives é fã de matrizes
deontológicas, nas quais o certo e o errado encontram definições naturais ou
positivas, mas eu tendo a abraçar modelos mais consequencialistas, nos quais as
ações são julgadas primordialmente pelos resultados que produzem.
Sob
essa perspectiva, mais importante do que perguntar se o cubano está sendo
tratado com justiça (um conceito irredutivelmente metafísico) é determinar se
aqui ele está melhor ou pior do que em Cuba. Se ganha mais aqui e veio de livre
e espontânea vontade (tão livre quanto possível numa ditadura como a cubana),
não caberiam objeções trabalhistas à empreitada. O fato de haver médicos de
outras nacionalidades ganhando mais do que ele não anula o aprimoramento de sua
situação. No mais, se nosso cubano estiver pensando em desertar, tem mais
chances de fazê-lo estando no Brasil do que na ilha.
É
claro que o programa permanece vulnerável a outras críticas. Ele é caro, por
exemplo. Acho que conseguiríamos efeito sanitário semelhante contratando
enfermeiros. O problema é que o marketing político exige que tenham o título de
médicos.”
Metafísica à parte, raras vezes
li um texto tão estúpido, com o perdão do articulista. Em primeiro lugar, Schwartsman
reconhece a indecência legal e jurídica do regime de trabalho imposto aos
cubanos que foram alugados ao Brasil pelos irmãos Castro. Cita até quem
certamente tem mais estofo jurídico para falar do assunto, Ives Gandra Martins,
que já expressou sua opinião acerca das flagrantes ilegalidades do sistema.
Como argumentar com Ives Gandra, nessa seara? Difícil. O assunto poderia ter morrido aí. Mas qual o quê... o “filósofo”
escorrega feito traíra ensaboada, e tenta tirar a questão toda do campo
jurídico, para lançá-la no campo minado da “ética”, sua suposta área de “expertise”,
porquanto filosófica e “metafísica”. E a ética, pelo menos para alguns, é personalista e feita sob medida
para os atos de cada um, não é? Qualquer
interno da Papuda poderá dar uma aula magna sobre seu conceito muito particular
de ética. Num país cuja Suprema Corte decide que um grupo de criminosos que deliberadamente e de comum acordo decidiu infringir a Lei é tudo MENOS quadrilha, a ética é um tanto quanto elástica.
Não é novidade que, com alguma frequência,
o “juridicamente correto” se distancia, em maior ou menor grau, do “eticamente
correto”. Em outras palavras, o legal nem sempre é o certo, e vice-versa.
Admitamos esse fato, muito embora suscetível de interpretações ao gosto do
freguês. Para os apologistas da descriminação das drogas, a Lei é que está
errada – mesmo que a esmagadora maioria da população a endosse. Para o motorista
que dirige alcoolizado, a Lei Seca é um absurdo, porque, afinal, ele “só bebeu
um pouquinho, e dirige até melhor assim”. Para o empregador que sofre debaixo
de uma legislação trabalhista arcaica e paternalista, o “correto” seria a
flexibilização das regras legais. No tocante à lei trabalhista, eu até
concordo, vejam só! Só que eu NUNCA tentaria invocar esse conceito
subjetivo de “certo e errado” para minha defesa num processo trabalhista, por
exemplo. O conceito que prevalece, e com boa razão, é o “law of the land”. Como
dizem lá em Minas, “o tratado não é caro”. Quem vive aqui, tem que agir segundo as Leis, goste ou não delas. Se há uma legislação que protege o
trabalhador, só resta ao empregador cumpri-la, sendo ele privado ou público. O
resto é conversa fiada, conversa pra boi dormir. Supõe-se que o legislador, ao
promover a Lei, o tenha feito de boa-fé, e no melhor interesse de todos. Não
está bom assim? Mude-se a Lei. O que não pode é se lixar para ela, calçando
essa decisão num conceito metafísico e muito pessoal de "certo" e "errado". Esse caminho deságua na barbárie, onde cada um faz o que lhe der na veneta..
Bem, mas digamos,
hipoteticamente, que seja admissível desprezar o “jurídico” em favor do “ético”,
nesse caso em particular. Aí é que o filósofo escorrega na casca de banana de forma
irremediável. Não é de se estranhar, porque se quisermos defender o
indefensável, só mesmo apelando para a mistificação rasteira.
Primeiro, ele afirma pender para o “consequencialismo” como norma ética. E reforça: “(...) nos quais as ações são julgadas primordialmente pelos resultados que produzem.” Como é que é? Em pleno século XXI, ainda há quem defenda, abertamente, que os fins justificam os meios? Será que o articulista crê mesmo nisso, ou só usou esse absurdo para tentar advogar pela causa da semi-escravidão a que são submetidos os profissionais trazidos de Cuba? Dentro da ótica de “fins que justificam os meios” ou melhor, "consequencialismo”, tudo é possível! Inclinações éticas à parte, é um consenso quase universal do mundo atual que NÃO – os fins definitivamente NÃO justificam os meios! De boas intenções, o inferno está cheio.
Primeiro, ele afirma pender para o “consequencialismo” como norma ética. E reforça: “(...) nos quais as ações são julgadas primordialmente pelos resultados que produzem.” Como é que é? Em pleno século XXI, ainda há quem defenda, abertamente, que os fins justificam os meios? Será que o articulista crê mesmo nisso, ou só usou esse absurdo para tentar advogar pela causa da semi-escravidão a que são submetidos os profissionais trazidos de Cuba? Dentro da ótica de “fins que justificam os meios” ou melhor, "consequencialismo”, tudo é possível! Inclinações éticas à parte, é um consenso quase universal do mundo atual que NÃO – os fins definitivamente NÃO justificam os meios! De boas intenções, o inferno está cheio.
Em seguida, vem a pérola, a
cereja do bolo de sandices. Vamos a ela. Segundo o articulista, “(...) Sob essa perspectiva, mais importante
do que perguntar se o cubano está sendo tratado com justiça (um conceito
irredutivelmente metafísico) é determinar
se aqui ele está melhor ou pior do que em Cuba. Se ganha mais aqui e veio
de livre e espontânea vontade (tão livre quanto possível numa ditadura como a
cubana), não caberiam objeções trabalhistas à empreitada”
Epa! Epa! Epa! É hora de um pequeno exercício, nessa linha
de raciocínio, ora pois. No lugar de governo empregador de médicos, entra Dona
Maria, dona de casa. Ela conversa com sua vizinha, Dona Maroca, enquanto rega o
jardim:
“Pois é...
sabe a Dolores? Pediu as contas, não quis trabalhar mais pra mim. Fiquei mais
de uma semana sem empregada!”
“Que
coisa, né... essas empregadas de hoje em dia não querem nada com nada, querem
ganhar uma fortuna e trabalhar pouco! Como você se arrumou, amiga?”
“Ah... foi
fácil: uma agência lá do Piauí me arrumou uma empregada de lá. A
Raimunda. Paguei a passagem dela, ela veio, feliz da vida! Está morando naquele
quartinho onde eu tinha a dispensa. Excelente, trabalha direitinho, faz o que
eu mando. Não é cozinheira de mão cheia, claro, mas faz o trivial.”
“E quanto
você paga a ela?”
“Nada!”
“Como
assim, “nada”? Ela não ganha salário?”
“Ah... eu
dou uns trocados pra ela, pra ela comprar sabonete, essas coisas, de vez em
quando...”
“Mas ela
aceita?”
“Claro!
Imagine... morava num cafundó do Judas, uma seca miserável, não tinha nem o que
comer. Lá em casa ela tem casa e comida, está MUITO melhor do que antes! Feliz
da vida!!!”
Como será que o articulista da
Folha vê essa relação de emprego, dentro de sua visão “ética”? É aceitável? Afinal, a Raimunda está “melhor” do que no sertão do Piauí, não é? Sr. Schwartsman,
esse é o fundamento básico daquilo que consideramos “escravidão”. NADA a
justifica, NADA a ameniza, NADA a redime. Nem mesmo as mistificações
filosóficas extraídas sabe-se lá de onde. Por mais petista que seja o
interlocutor. Ou cego. Ou idiota.
E, por favor, afirmar que uma das
vantagens da escravidão em outro país é a facilidade presumível de fugir dela,
é intelectualmente delinquente e asqueroso. O texto começa mal, e termina pior. A
ombudsman da Folha, evidentemente, não vai falar nada. Quem já leu as críticas
dela entenderá o motivo.