O “S” da questão
Certa vez, há quase duas décadas, eu era diretor de
uma empresa da área de celulose. Fora contratado pelos acionistas controladores,
juntamente com outros executivos, para tentar achar uma solução para a situação
da empresa, que estava à beira da falência. Os desafios eram enormes, e o maior
deles era o endividamento colossal com 22 bancos, liderados pelo Banco do Brasil
e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Foi uma
negociação duríssima, embora tenhamos tido o apoio desses dois credores (e sócios
da empresa) na busca de uma solução, afinal atingida. À época, o Presidente do
BNDES era o Dr. Luiz Carlos Mendonça de Barros. Numa das muitas reuniões com
ele, a diretoria da empresa expôs os problemas, os efeitos potencialmente desastrosos
de uma falência da maior empresa de uma vasta região extremamente carente de
desenvolvimento sustentável, e as milhares de pessoas que perderiam seus empregos.
E dissemos: “Poxa, Doutor Luiz... o “S” de BNDES, afinal de contas, significa “Social”!”
Ele pensou um segundo e
respondeu: “Sim... o “S” é de “Social”... mas o “B” não é de “Babaca”, meus
caros...”
Essa passagem me veio à mente, ao
assistir ao depoimento do neo-bilionário-açougueiro Joesley Batista aos
procuradores do MPF, dentro de sua delação mais-do-que-premiada.
O Brasil ficou chocado com o que
o empresário afirmou, especialmente no tocante às propinas supostamente pagas a
políticos, tanto em forma de caixa 2 para campanhas eleitorais, como em forma
de “mesadas” generosas. Mas creio que a opinião pública, por desconhecimento,
tenha deixado passar em brancas nuvens o aspecto mais chocante do depoimento,
ao focar em “jabás” supostamente pagas a uns e outros.
Joesley conta a história do grupo
JBS, desde quando se chamava “Friboi” e agrupava um punhado de frigoríficos do
interior. Conta que teve a ideia de
transformar o grupo num mega-conglomerado em escala mundial, algo que chamou
grandiosamente de “internacionalização do grupo”, adquirindo empresas mundo
afora. E, evidente, esperava ter o apoio
do BNDES nesse projeto. Começou comprando o frigorífico Bertin, que estava em
dificuldades financeiras. O BNDES emprestou o dinheiro. Depois surgiram “oportunidades”
no exterior, como a Pilgrim’s Pride Corporation (frigorífico de aves norte-americana,
líder no segmento) e outras. Aí já não interessava tanto obter empréstimos do
BNDES, mas sim capital de risco (participação acionária sem voto) do BNDESPar,
dos fundos de pensão Funcex, Petros e outros, através da compra de debêntures
conversíveis por essa entidades mantidas pelo Estado. Os valores são astronômicos, chegando à casa
de 10 bilhões de reais, entre 2007 e 2013. Atualmente, a Polícia Federal
deflagra a Operação Bullish, que investiga favorecimento indevido ao grupo JBS
por parte do BNDES e BNDESPar. Ainda assim, os irmãos goianos sequer tiveram
seus passaportes retidos, e atualmente dedicam-se a curtir as delícias da
vidinha mansa em Nova York, sem serem importunados pela Justiça brasileira.
Ao ouvir o “empresário” contando
alegremente como extraiu bilhões do governo, usando o meu, o seu, o nosso
dinheiro para enriquecer, a conversa com Mendonça de Barros, e todo o trabalho
feito junto ao BNDES naquele ano de 1998 me veio à memória.
Afinal. BNDES significa o quê, mesmo? Banco (até aí tudo bem). Nacional
(complicou) de Desenvolvimento (é mesmo?) Econômico e Social (!!!!). O BNDES tem um corpo técnico de altíssimo
padrão, analistas que não deixam passar nada sem análise completa. Então eu me
pergunto: Como é que o grupo JBS conseguiu “convencer” os BNDES e o BNDESPar a
embarcar na canoa deles? Vamos seguir o dinheiro. O BNDES obtém recursos para
suas operações de várias fontes, segundo entendo: capta empréstimos no
exterior, recebe amortização, juros e taxas dos empréstimos feitos e,
principalmente, recebe recursos do Tesouro Nacional estes em forma de “empréstimos
do Tesouro”. Faz sentido: afinal de contas, é um banco de fomento, seus
objetivos coincidem com os objetivos do Ministério da Indústria e Comércio ao
qual está subordinado (pelo menos em tese, na verdade responde ao Ministério da
Fazenda). Então o BNDES emprestou dinheiro, bilhões de reais, ao Grupo JBS. Que
usou o dinheiro para.... para o quê, mesmo? Ah, sim... comprar empresas... no
exterior! Em suma, os recursos do BNDES, dinheiro do contribuinte, foram parar,
deixa ver... no bolso de ex-acionistas de Pilgrim’s Pride e outras. Nos Estados
Unidos, na Austrália, na Europa. Sim, caro leitor, você entendeu certo: o dinheiro
do contribuinte brasileiro, entregue ao governo em forma de impostos, dentro de
um cenário de carga tributária extorsiva, foi parar no bolso de investidores
estrangeiros, para que os sócios da JBS, senhores Joesley e Wesley Batista e
familiares, pudessem construir seu império transnacional. Sem desembolsar um
tostão do seu próprio dinheiro, claro. Como
exemplo, cito uma emissão de debêntures conversíveis, feita em 2009, de cerca
de 3 bilhões de reais (se não me engano). O BNDESPar subscreveu nada menos que
99,99% da emissão. A família Batista entrou com 0,01%. Sabem como é: quem tem bom padrinho não morre
pagão, e quem tem BNDES não gasta do “seu”, apenas o “dos outros”.
Foi um “bom negócio” para o
BNDES, BNDESPar e fundos? Segundo a Polícia Federal, o investimento do sistema
BNDES no grupo JBS resultou num prejuízo de cerca de R$ 1,2 bilhão ao governo.
Segundo a denúncia, as ações adquiridas custaram mais caro do que a média de
preços vigente nas bolsas, daí o prejuízo. Mas... e se tivesse dado lucro? Ainda assim, não interessa! O objetivo primordial do BNDES não é gerar lucro,
meus caros. Sua missão, razão de sua existência, é financiar o “desenvolvimento
econômico e social”. Então me digam: qual o benefício econômico e social de
fomentar a oligopolização do mercado de proteína animal no Brasil? Zero. Qual o
benefício econômico e social de financiar a compra de empresas no exterior? Zero. Quantos empregos essa operação gerou nesse Brasil de 14 milhões de
desempregados? Zero. Quanto de imposto adicional foi recolhido, em benefício do
povo brasileiro? Zero.
Enquanto os irmãos Batista
deitavam e rolavam com sua fortuna de escala planetária bancada com dinheiro
público, quantos empresários nesse Brasil não conseguiram atender às
infindáveis exigências do BNDES para conseguir um mísero financiamento de
Finame para trocar uma máquina obsoleta? Quem já tentou sabe como as coisas funcionam por lá.
O corpo técnico do BNDES, sempre
tão zeloso dos objetivos do banco, concordou com esses financiamentos? No caso
do BNDESPar, seu corpo técnico deu aval para investir nesse negócio? Ou foram
atropelados por dirigentes e políticos que faziam e aconteciam nessas estatais?
Propina, corrupção é coisa séria.
Tem que ser investigada, e seus autores punidos. Mas tudo isso é “café pequeno”
diante do escárnio que é um banco oficial de fomento bancar os sonhos
megalomaníacos transnacionais de empresários sem escrúpulos. Esse é o
verdadeiro escândalo a ser investigado e punido. Bem que se disse que se houvesse uma "Lava-Jato" no BNDES, o Petrolão iria parecer coisa de amador.
E agora, com sua delação ultra-premiada
homologada numa pressa descomunal pelo Ministro Edson Fachin do STF, adivinhem
o que vai suceder com os irmãos cara-de-pau? Ficarão livres de processo pela
justiça brasileira. Com isso, resolvem sua situação perante o Departamento de
Justiça dos Estados Unidos. Poderão lançar ações na bolsa de Nova York. De
Goiás para o mundo, a JBS dá uma banana ao país que lhe bancou a expansão, e muda
de mala e cuia para os EUA. Bye-bye Brazil.
Enquanto isso, o valor de mercado
do grupo JBS derrete nas bolsas brasileiras. O “mico” vai crescer, as garantias
do BNDES evaporam e, como sempre acontece, quem paga a conta é o contribuinte.
Somos uma república de bananas.
Em sentido amplo.
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