quinta-feira, 18 de maio de 2017



A hora do boné

O Brasil não é um país sério. A frase, erroneamente atribuída ao estadista Charles de Gaulle. é usada com frequência para ilustrar o teatro dos absurdos que por vezes acomete esse país tropical ou, adotando o termo criado por Jorge Benjor, esse "patropi". O Brasil é o país do "jeitinho", da ultrapassagem pelo acostamento, do cafezinho pro guarda, da mais-valia. Onde mais, no mundo civilizado, floresce a profissão de "despachante", aquele que encaminha as coisas e as faz acontecer? Esse jeito "lassez-faire" vem sabe-se lá de onde, mas o fato é que é um sintoma do atraso reinante por essas bandas. Se um mecanismo de Estado precisa de "lubrificante" para funcionar, algo evidentemente não vai bem com o mecanismo como um todo. Mas divago. Vamos tratar do que interessa: as "bombas" publicadas no dia de hoje, 18 de maio de 2017, nos principais jornais. Depois de ler as manchetes, cheguei a conclusão de que, de fato, o Brasil é uma piada pronta. De Gaulle entenderia.

Os irmãos Wesley e Joesley Batista, principais acionistas da JBS, o maior grupo do ramo de proteína animal do mundo, estão sob investigação do Ministério Público Federal por suspeita de corrupção ativa e outros crimes. O grupo, que era de proporções modestas nos anos 90, agigantou-se sob o governo petista (2003-2016), sempre com generosos aportes de financiamento e capitalização com dinheiro público via BNDES e BNDESPAR. Ao mesmo tempo, tornou-se o maior contribuinte individual para campanhas políticas, de vários partidos mas com especial destaque para o PT. De fato, a JBS foi o maior doador das campanhas de Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014. Esse fato, por si só, já seria algo suspeito, tendo em vista os recursos colocados à disposição do grupo por bancos oficiais. Como dinheiro não tem identidade, é possível imaginar que parte desse dinheiro provido pelo Estado tenha ido irrigar campanhas políticas de gente que, em última análise, é ou era responsável pela aprovação desses aportes. Configura-se aí a corrupção. 

O Brasil tem convivido com a figura da "delação premiada" desde o início da Operação Lava-Jato, há três anos. Invariavelmente, os investigados, a princípio enfáticos na negação de quaisquer malfeitos e radicalmente contrários à alternativa da delação, rendem-se à perspectiva de longas temporadas na cadeia, confessam seus crimes e delatam seus cúmplices, ajudando a Justiça a visualizar de forma correta a teia de corrupção e roubo que ganhou status de "instituição" no Brasil dos últimos 20 anos (notem que eu não limito o prazo aos 13 anos do petismo no poder, não foi o PT que inventou a corrupção, o partido apenas elevou a prática criminosa ao "estado da arte" da bandalheira). Os delatores seguem um roteiro previsível: são indiciados, denunciados, presos e, em alguns casos, condenados. Nesse cenário, trocam penas de 20, 30 ou mais anos de prisão por suaves penas de dois a três anos, em alguns casos a serem cumpridas em suas paradisíacas dachas à beira-mar. Devolvem uma parte do que roubaram, e seguem com a vida. E o ciclo se repete com o próximo denunciado. Já passam de cento e cinquenta, se não me falha a memória. Gente que vai escapar da Justiça "no barato". É de se indagar: e os alvos finais dessa investigação, poderão obter esses benefícios também? Quem poderia imaginar que um Palocci, um dos chefões dessa quadrilha, segundo o MPF, também obtivesse esse benefício? E o Lula, que a cada dia se aproxima mais da prisão, vai delatar quem? 

Já no caso dos irmão Batista, nem foi preciso chegar à prisão, muito menos condenação. Os rapazes não são bobos nem nada. Ao sentir que as investigações chegariam a eles, se juntaram com outros cinco diretores do grupo e marcharam unidos a Brasília, mais precisamente rumo ao gabinete do Ministro Edson Fachin no STF, e ofereceram suas delações. Não só ofereceram delatar, como ainda entregaram ao Ministro os resultados de uma arapuca para os delatados, feita de comum acordo com a Polícia Federal e MPF. Marcaram encontro com Michel Temer e gravaram a conversa, secretamente. E, claro, levantaram o assunto que poderia ferir de morte o Presidente: uma certa "mesada" que vinham pagando a Eduardo Cunha e outros, para que estes se mantivessem "de bico fechado" sobre eventuais malfeitos de Temer. De quebra, gravaram uma conversa com o Senador Aécio Neves, no qual o senador lhes pede dinheiro para custear seu advogado de defesa. Dois milhões de reais, para ser exato. Não só gravaram a conversa particular, mas entregaram o dinheiro vivo com notas marcadas, em bolsas rastreadas com chip eletrônico.  

O Globo, esse jornal que o petismo acusa de ser "o monopólio de mídia familiar a serviço dos golpistas do PMDB e PSDB" obteve informações sobre a arapongagem dos Batista e publicou (creio que isso desmonta a tese petista quanto ao apoio do Globo ao PSDB, não?). 

Estava lançada a bomba.  E seus efeitos, quais são?

Antes de mais nada é preciso separar as coisas. De um lado, a conversa de Temer com os Batista. De outro, o pedido de Aécio. Primeiramente, trato da conversa de Temer. A se confirmar o teor da conversa, a meu ver fica demonstrado de forma inequívoca que Temer a) sabia dessa mesada e b) concordou com ela, tanto que mandou continuar com os pagamentos. Em bom português, isso é obstrução de justiça. Muito embora no Código Penal Brasileiro não exista, a rigor, o crime de "Obstrução de Justiça", os artigos 338 e 358 do CP tipificam os crimes contra a administração da Justiça. Resta óbvio que a frase atribuída a Temer se enquadra perfeitamente na definição do Código Penal. Ou seja, o Presidente incorreu em crime. Para ser mais preciso, em crime comum, no exercício do mandato. E agora? Segundo o Artigo 86 da Constituição, o procedimento nesses casos é um pouco diferente do que ocorreu com a ex-presidente Dilma: no caso dela foi "crime de responsabilidade", cujo processo é admitido pelo Presidente da Câmara dos Deputados em decisão monocrática, depois pelo plenário da Câmara  (por dois terços dos deputados, ou 342 votos), e por fim julgado pelo Senado. No caso de Temer, é crime comum, cujo processo é também admitido na Câmara, mas daí em diante é julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Temer será impichado, então? Sinceramente, eu duvido muito. O governo possui uma sólida base aliada no Congresso, e ainda que alguns desertassem face às provas apresentadas, dificilmente a oposição conseguiria os 342 votos necessários. O processo sequer chegará ao STF. E, na improvável hipótese de chegar lá, as chances de Temer ser absolvido são grandes, por uma razão simples: a gravação da conversa é uma prova totalmente ilegal (gravação sem conhecimento do alvo só pode ser feita com mandado judicial ou para defesa própria). No caso da conversa telefônica de Dilma com Lula, o PT e seus áulicos adotaram a tese de que a gravação era ilegal e portanto tinha que ser desconsiderada. Aqui, ocorre o mesmo. 

Mas tudo isso são tecnicalidades. A questão é política, muito mais do que legal. A gravação é ilegal? Sim. Mas isso não apaga o conteúdo dela. E na gravação (segundo o que O Globo afirma), há evidências de crime. O povo não segue as tecnicalidades da Lei, mas sabe distinguir o mal-feito. Ainda que o Presidente da Câmara rejeite o requerimento de impeachment, que os deputados igualmente o rejeitem, e que o STF não acolha a denúncia, qual a condição política de Temer seguir governando o país? Depois dessa, lamento informar que ele não tem condição nenhuma. Já não tem apoio popular, e vai perder o apoio político. O que é uma pena, porque ele tem feito um bom governo, apesar dos pesares. A inflação cedeu, o país voltou a crescer, empregos estão sendo gerados, o otimismo vem voltando aos poucos. E logo agora, ele cai numa dessa. 

Temer, na verdade, só tem um caminho: a renúncia. Que será seguida de eleição indireta para um Presidente a exercer um mandato-tampão até 31 de dezembro de 2018. Oxalá o eleito seja alguém de bom-senso. E que não prevaleçam casuísmos estilo "eleição direta já", porque se isso acontecer, dentro da conjuntura atual, as chances são de que o eleito venha a ser o penta-réu Lula - que seria o pior dos mundos. Eleito, Lula dá uma banana para Sérgio Moro e Lava-Jato, e o país verá um réu governar. No lugar de uma temporada na penitenciária, Lula ganhará o Palácio do Planalto. É o fim da picada. Mais uma vez, De Gaulle entenderia.

Já o caso de Aécio é mais simples. Não há crime algum no ato de pedir dinheiro a um amigo (que belo amigo, hein?). Aécio não tem influência alguma nos processos contra os irmãos Batista, nem pode favorecer o Grupo JBS de forma alguma. Falta assim a "contrapartida" para caracterizar uma suposta corrupção. Crime, não é.  Mas, convenhamos, é imoral, indecente, anti-ético pedir dinheiro a um empresário sob investigação. Simples assim. Seja a que pretexto for. Há alguns anos, escrevi um texto nesse blog, criticando o governador goiano Marconi Perillo por ter vendido sua casa a um preposto do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Crime, não era. Mas pegou mal. Um político digno do nome, raposa felpuda da política,  não pode ser tão idiota assim. Aécio acaba de incinerar definitivamente sua carreira política. Deveria renunciar ao mandato e ir curtir a vida nos Arcos da Lapa. Embora pareça um bom sujeito, não leva o menor cacoete para a política do século XXI, no qual pode-se gravar qualquer deslize. Vai pra casa, Aécio, que você já era. 

E assim caminha o Brasil. Quando,enfim, teremos um pouco de tranquilidade?




Um comentário:

Odara Orchids disse...

Bom dia!
Procede! Excelente analise, lógica, objetiva e concisa.
A situação jurídica, no caso, tem possibilidades de "dar em nada" - a não ser o aumento das fortunas que os advogados ganharão, o custo do processo, nos mesmos moldes, que todos pagarão e o tempo que isso vai levar.
Politicamente a coisa é feia e triste, como nunca antes se viu nesse e nem em país algum.
Quanto maior a crise, dizem, maiores as oportunidades.
Que oportunistas não encontrem guarida para interesses mesquinhos e deem lugar a poucos políticos de bom senso e vergonha na cara, para que se possa construir um caminho e uma agenda de reformas sérias, a começar pela politica.
O modelo e o sistema que ai está cria e alimenta essas monstruosidades.
Grato pelo texto.
Boa semana.