terça-feira, 23 de maio de 2017



O “S” da questão

Certa vez, há quase duas décadas, eu era diretor de uma empresa da área de celulose. Fora contratado pelos acionistas controladores, juntamente com outros executivos, para tentar achar uma solução para a situação da empresa, que estava à beira da falência. Os desafios eram enormes, e o maior deles era o endividamento colossal com 22 bancos, liderados pelo Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Foi uma negociação duríssima, embora tenhamos tido o apoio desses dois credores (e sócios da empresa) na busca de uma solução, afinal atingida. À época, o Presidente do BNDES era o Dr. Luiz Carlos Mendonça de Barros. Numa das muitas reuniões com ele, a diretoria da empresa expôs os problemas, os efeitos potencialmente desastrosos de uma falência da maior empresa de uma vasta região extremamente carente de desenvolvimento sustentável, e as milhares de pessoas que perderiam seus empregos. E dissemos: “Poxa, Doutor Luiz... o “S” de BNDES, afinal de contas, significa “Social”!”

Ele pensou um segundo e respondeu: “Sim... o “S” é de “Social”... mas o “B” não é de “Babaca”, meus caros...”

Essa passagem me veio à mente, ao assistir ao depoimento do neo-bilionário-açougueiro Joesley Batista aos procuradores do MPF, dentro de sua delação mais-do-que-premiada.

O Brasil ficou chocado com o que o empresário afirmou, especialmente no tocante às propinas supostamente pagas a políticos, tanto em forma de caixa 2 para campanhas eleitorais, como em forma de “mesadas” generosas. Mas creio que a opinião pública, por desconhecimento, tenha deixado passar em brancas nuvens o aspecto mais chocante do depoimento, ao focar em “jabás” supostamente pagas a uns e outros.

Joesley conta a história do grupo JBS, desde quando se chamava “Friboi” e agrupava um punhado de frigoríficos do interior.  Conta que teve a ideia de transformar o grupo num mega-conglomerado em escala mundial, algo que chamou grandiosamente de “internacionalização do grupo”, adquirindo empresas mundo afora.  E, evidente, esperava ter o apoio do BNDES nesse projeto. Começou comprando o frigorífico Bertin, que estava em dificuldades financeiras. O BNDES emprestou o dinheiro. Depois surgiram “oportunidades” no exterior, como a Pilgrim’s Pride Corporation (frigorífico de aves norte-americana, líder no segmento) e outras. Aí já não interessava tanto obter empréstimos do BNDES, mas sim capital de risco (participação acionária sem voto) do BNDESPar, dos fundos de pensão Funcex, Petros e outros, através da compra de debêntures conversíveis por essa entidades mantidas pelo Estado.  Os valores são astronômicos, chegando à casa de 10 bilhões de reais, entre 2007 e 2013. Atualmente, a Polícia Federal deflagra a Operação Bullish, que investiga favorecimento indevido ao grupo JBS por parte do BNDES e BNDESPar. Ainda assim, os irmãos goianos sequer tiveram seus passaportes retidos, e atualmente dedicam-se a curtir as delícias da vidinha mansa em Nova York, sem serem importunados pela Justiça brasileira.

Ao ouvir o “empresário” contando alegremente como extraiu bilhões do governo, usando o meu, o seu, o nosso dinheiro para enriquecer, a conversa com Mendonça de Barros, e todo o trabalho feito junto ao BNDES naquele ano de 1998 me veio à memória.

Afinal. BNDES significa o quê, mesmo?  Banco (até aí tudo bem). Nacional (complicou) de Desenvolvimento (é mesmo?) Econômico e Social (!!!!).  O BNDES tem um corpo técnico de altíssimo padrão, analistas que não deixam passar nada sem análise completa. Então eu me pergunto: Como é que o grupo JBS conseguiu “convencer” os BNDES e o BNDESPar a embarcar na canoa deles? Vamos seguir o dinheiro. O BNDES obtém recursos para suas operações de várias fontes, segundo entendo: capta empréstimos no exterior, recebe amortização, juros e taxas dos empréstimos feitos e, principalmente, recebe recursos do Tesouro Nacional estes em forma de “empréstimos do Tesouro”. Faz sentido: afinal de contas, é um banco de fomento, seus objetivos coincidem com os objetivos do Ministério da Indústria e Comércio ao qual está subordinado (pelo menos em tese, na verdade responde ao Ministério da Fazenda). Então o BNDES emprestou dinheiro, bilhões de reais, ao Grupo JBS. Que usou o dinheiro para.... para o quê, mesmo? Ah, sim... comprar empresas... no exterior! Em suma, os recursos do BNDES, dinheiro do contribuinte, foram parar, deixa ver... no bolso de ex-acionistas de Pilgrim’s Pride e outras. Nos Estados Unidos, na Austrália, na Europa. Sim, caro leitor, você entendeu certo: o dinheiro do contribuinte brasileiro, entregue ao governo em forma de impostos, dentro de um cenário de carga tributária extorsiva, foi parar no bolso de investidores estrangeiros, para que os sócios da JBS, senhores Joesley e Wesley Batista e familiares, pudessem construir seu império transnacional. Sem desembolsar um tostão do seu próprio dinheiro, claro.  Como exemplo, cito uma emissão de debêntures conversíveis, feita em 2009, de cerca de 3 bilhões de reais (se não me engano). O BNDESPar subscreveu nada menos que 99,99% da emissão. A família Batista entrou com 0,01%.  Sabem como é: quem tem bom padrinho não morre pagão, e quem tem BNDES não gasta do “seu”, apenas o “dos outros”.
 
Foi um “bom negócio” para o BNDES, BNDESPar e fundos? Segundo a Polícia Federal, o investimento do sistema BNDES no grupo JBS resultou num prejuízo de cerca de R$ 1,2 bilhão ao governo. Segundo a denúncia, as ações adquiridas custaram mais caro do que a média de preços vigente nas bolsas, daí o prejuízo. Mas... e se tivesse dado lucro? Ainda assim, não interessa! O objetivo primordial do BNDES não é gerar lucro, meus caros. Sua missão, razão de sua existência, é financiar o “desenvolvimento econômico e social”. Então me digam: qual o benefício econômico e social de fomentar a oligopolização do mercado de proteína animal no Brasil? Zero. Qual o benefício econômico e social de financiar a compra de empresas no exterior? Zero. Quantos empregos essa operação gerou nesse Brasil de 14 milhões de desempregados? Zero. Quanto de imposto adicional foi recolhido, em benefício do povo brasileiro? Zero.

Enquanto os irmãos Batista deitavam e rolavam com sua fortuna de escala planetária bancada com dinheiro público, quantos empresários nesse Brasil não conseguiram atender às infindáveis exigências do BNDES para conseguir um mísero financiamento de Finame para trocar uma máquina obsoleta? Quem já tentou sabe como as coisas funcionam por lá.

O corpo técnico do BNDES, sempre tão zeloso dos objetivos do banco, concordou com esses financiamentos? No caso do BNDESPar, seu corpo técnico deu aval para investir nesse negócio? Ou foram atropelados por dirigentes e políticos que faziam e aconteciam nessas estatais?

Propina, corrupção é coisa séria. Tem que ser investigada, e seus autores punidos. Mas tudo isso é “café pequeno” diante do escárnio que é um banco oficial de fomento bancar os sonhos megalomaníacos transnacionais de empresários sem escrúpulos. Esse é o verdadeiro escândalo a ser investigado e punido. Bem que se disse que se houvesse uma "Lava-Jato" no BNDES, o Petrolão iria parecer coisa de amador.

E agora, com sua delação ultra-premiada homologada numa pressa descomunal pelo Ministro Edson Fachin do STF, adivinhem o que vai suceder com os irmãos cara-de-pau? Ficarão livres de processo pela justiça brasileira. Com isso, resolvem sua situação perante o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Poderão lançar ações na bolsa de Nova York. De Goiás para o mundo, a JBS dá uma banana ao país que lhe bancou a expansão, e muda de mala e cuia para os EUA. Bye-bye Brazil. 

Enquanto isso, o valor de mercado do grupo JBS derrete nas bolsas brasileiras. O “mico” vai crescer, as garantias do BNDES evaporam e, como sempre acontece, quem paga a conta é o contribuinte.

Somos uma república de bananas. Em sentido amplo.

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