terça-feira, 27 de novembro de 2012

Debaixo desse angu....



"tem carne", professa o ditado mineiro. Corre a lenda que a expressão surgiu com o almoço servido por fazendeiros aos peões da fazenda. Como o almoço era servido lá no campo, ia uma carroça com fogão, e esquentava as marmitas preparadas na véspera. Acontece que para a peãozada em geral, pouca ou nenhuma carne acompanhava a marmita. Já para o capataz, a carne estava sempre presente. Na hora de esquentar as marmitas, o fato de uma conter carne e as outras não, era motivo de insatisfação e até roubo da marmita "premiada". Para evitar isso, na hora do preparo, a cozinheira escondia a carne do capataz, por baixo de uma generosa porção de angu (polenta, em outras plagas). Assim, à primeira vista, a marmita do chefe era igual às outras. Mas ali debaixo tinha carne...

Evidente que não estou aqui falando de culinária, muito menos da sociologia trabalhista do Brasil rural. A expressão ganhou o mundo com outro significado. Na acepção popular, quando se diz que "debaixo desse angu tem carne", significa que há mais, naquele assunto, do que parece. "More than meets the eye", diriam, em inglês. 

O que me leva, face os acontecimentos dos últimos dias, à questão da ex-chefe do Escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha (para os íntimos, apenas "Rose" ou, ainda, "Mamys"). À primeira vista, apenas um caso corriqueiro de tráfico de influência para faturar uns trocados, cruzeiros com duplas sertanejas de gosto duvidoso, uma cirurgia plástica ou outra. Nada com teor explosivo que possa abalar o happy-hour nos points brasilienses, que dirá os alicerces da República petista. Ou não?

Olhando o angu a uma certa distância, é isso mesmo. A moça tinha lá sua influência, e a usou para obter pareceres técnicos nas searas da Agência Nacional de Águas e Agência Nacional de Aviação Civil, entre outras, e negociar esses pareceres com interessados. Fez do escritório da Presidência em São Paulo uma espécie de quitanda para oferecer seus préstimos. Já vimos algo parecido em passado recente, não? E se nada aconteceu com a Erenice Guerra, que, pelo visto, fez um angu bem mais encorpado, por que haveria de ter carne logo no angu da "Mamys"?

Mas.... olhando melhor, quer me parecer que há uma protuberância no angu, que pode indicar a presença de algo que não seja simplesmente fubá cozido. Examinemos melhor o prato.

A Rosemary de Noronha não só obteve seus pareceres técnicos, como também indicou os dois irmão que comandariam ANA e ANAC. Indicou e emplacou no cargo. Alto lá! Eu já vi deputado indicando apadrinhado. Já vi senador fazendo o mesmo. Na república petista, o aparelhamento do Estado é a norma geral, portanto há muito cargo para preencher - e muita gente para indicar. Mas Secretária indicando chefe de Agência Reguladora? Ai ai ai.... começa a exalar um aroma desse angu, e certamente não haverá de ser caldo Knorr.

A Rosemary de Noronha trabalhou por anos a fio com  ninguém menos do que José Dirceu. Sabem, o Zé Dirceu? Aquele? É... ele mesmo. Tanto que quando avisada que a Polícia Federal faria uma busca e apreensão no escritório, para quem ela ligou, em busca de socorro? Ele mesmo. Dado o prontuário do ex-deputado (cassado), ex-Chefe da Casa Civil (demitido) e ex-réu primário (agora condenado e aguardando a hora de arrumar a mudança para o xilindró), eu diria que qualquer um que gozasse da confiança dele já seria, por si só, um angu abarrotado de carne.

A Rosemary de Noronha fez um monte de viagens internacionais acompanhando Lula, mundo afora. Foram, se não erro na conta, 24 países visitados. Em boa parte dessas viagens, ela sequer constava na lista de passageiros. Segundo consta das investigações da Polícia Federal, ela aproveitava a proximidade aeronáutica com o Presidente, para lhe sugerir coisas, como, por exemplo, arrumar uma boquinha para sua filha na ANAC, remunerada a R$ 8 mil e pouco por mês, livre das complicações como concurso público. Agora... estou aqui fundindo a cuca para tentar descobrir o que, exatamente, a chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo fazia, de oficial, nessas viagens mundo afora. Seria um enfeite (ela até que é bonitinha, não é?). Qual a função dela na comitiva? Os vapores da carne debaixo do angu começam a fazer salivar os apreciadores do prato.

A Rosemary de Noronha, entre março e outubro de 2011, trocou nada menos que 122 (cento e vinte e dois) telefonemas com o cidadão comum Luiz Inácio Lula da Silva, até o fim do ano anterior conhecido por "PR", ou melhor, Presidente da República. Em 2011, ele já não era presidente de coisa alguma. E seu escritório em São Paulo, ao que consta, não era o mesmo da "Mamys". Fazendo as contas, considerando apenas os dias úteis, são mais de CINCO ligações por dia. CINCO! Agora tem o seguinte: eu sou filho único (meu irmão faleceu tragicamente em 1984). Minha mãe é idosa, e está numa fase de grande preocupação comigo, algo que é motivo de uma doce implicância entre nós. Ela me rastreia Brasil afora, e me liga constantemente, até por motivos triviais. Mas mãe é mãe, como se diz. Nem ela, no seu afã de supermãe, me liga CINCO vezes por dia, todo santo dia. O que resta para falar, depois da terceira, quarta ligação? A campanha do Corínthians? Ah, me poupe, vai! Tirando uma improvável relação que extrapole a amizade e dever profissional, simplesmente não há nada que leve duas pessoas a trocarem 122 telefonemas em período tão curto. Principalmente se não existe mais qualquer conexão de chefia entre os dois. Nessa, a Polícia Federal enfiou o garfo no angu, e espetou um naco de carne de bom tamanho. Será que gravaram as conversas? Ora, se gravações ditas sigilosas entre Carlinhos Cachoeira e seus pares chegaram à mídia antes mesmo de chegar ao Ministério Público, é de imaginar que as 122 conversas irão desembocar, cedo ou tarde, nos jornais. Vai ser uma delícia acompanhar.

E por fim, para mostrar que esse prato de angu está mesmo REPLETO de carne, filé, paio, linguiça e torresmo, a tropa de choque da bancada governista no Senado Federal rejeitou, nessa terça-feira, o pedido do Senador Álvaro Dias (PSDB), para que a Rosemary de Noronha fosse ouvida pelo Senado. Montou-se a blindagem de praxe, alegando-se a "inutilidade" da convocação da moça. Esse fato deve ser visto em conjunto com as declarações dela de ontem, nas quais afirmou que "não cairá sozinha". Dona de um temperamento explosivo, a "Mamys" talvez virasse o prato inteiro na cabeça de petistas, revelando a verdadeira festa de Babette que estava debaixo daquele angu. Os parlamentares do PT trataram de botar a tampa na panela, e com isso querem nos convencer que ali, só tem mesmo um angu dos mais chinfrins.

Eu tenho minhas dúvidas.  E você?


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