terça-feira, 9 de outubro de 2012

Amanhecer...




Amanhã será um lindo dia
Da mais louca alegria
Que se possa imaginar
Amanhã, redobrada força
Pra cima que não cessa
Há de vingar
Amanhã, mais nenhum mistério
Acima do ilusório
O astro-rei vai brilhar
Amanhã a luminosidade
Alheia a qualquer vontade
Há de imperar...


Guilherme Arantes, "Amanhã"


Amanhã será um dia como qualquer outro. A previsão é de tempo bom aqui na região de São Paulo, ainda quente mas talvez com chuva à tarde, por causa de uma frente fria que vem chegando do sul. Vou acordar às seis (se o Homem lá de cima permitir que eu tenha mais esse dia, claro!), como de costume, tomar café como de costume, e ir trabalhar, também como costume. Em termos práticos, nada mudará de hoje para amanhã.

Ou não?

Algo me diz que vou acordar com um sorriso mais ostensivo nos lábios (não sou muito dado a sorrisos, mas confesso que trabalhar naquilo que adoro ajuda bastante). Talvez cantarole alguma canção antiga, com a letra terrivelmente mutilada pela memória claudicante para essas coisas como letras de música. Talvez até assobie, coisa que faço com uma incompetência completa. 

Pois embora amanhã, dia 10 de outubro de 2012, seja um dia como qualquer outro, algo me diz que o ar vai estar mais puro, as flores mais bonitas, as cores mais vivas. 

Amanhã o Brasil estará um pouquinho melhor do que hoje. Pelo menos o Brasil que eu imagino como sendo o "meu" país. Aquele que me dá orgulho, que me desafia a ser cada dia melhor. Que me chama ao bom combate. Amanhã o Brasil vai acordar, com a certeza de que o Justiça se fez presente, na hora em que ela se fez mais necessária. Amanhã não terá mais valor o velho e surrado adágio, segundo o qual, "no Brasil só pobre e preto é condenado".  Claro que ainda haverá muita injustiça por esse país. Mas, pegando carona nas palavras de Neil Armstrong, quando pisou pela primeira vez na lua, em 1969, terá sido dado um pequeno passo para um homem, mas um salto enorme para o Brasil.

Porque hoje, ao final da tarde, o Supremo Tribunal Federal baixou seu punho em cima de todas as mentiras, chicanas jurídicas e não-jurídicas, tentativas de pressão e ameaças veladas que vinha sofrendo desde que colocou em pauta o julgamento dos acusados pelo mais grave crime de lesa-pátria já visto nesse país. Hoje o STF acolheu os argumentos do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, e condenou, por esmagadora maioria, os acusados de tentar implementar no Brasil a "República da Corrupção", onde compra-se o voto de parlamentares para tornar mais fácil a vida do presidente (sim, com minúsculo, que um presidente que apela para esse tipo de coisa não merece maiúsculo coisa nenhuma), usando um volume de dinheiro de centenas de milhões de reais, roubados em plena luz do dia, dos cofres públicos. Roubado sem revólver nem dinamite, é verdade, mas roubado assim mesmo. Em tenebrosas negociações, secretos conchavos e fictícios contratos, o dinheiro que serviria para construir escolas, hospitais, saneamento básico e outras necessidades do povo brasileiro, foi desviado, lavado e distribuído feito mesada para um grupo de políticos gananciosos e aéticos, para que estes deixassem de lado suas convicções e entrassem no bonde dos paus-mandados do Partido do Trabalhadores e de seu expoente máximo, aquele que vive alardeando que "nunca antes na história dessepaiz". Nisso, ele está certo: nunca antes na história deste país, houve tanta sujeira, tanta safadeza, tanto desprezo pelo dinheiro da nação. 

Durante anos, o processo vagou a passos de lesma pelo Judiciário. Antes, uma CPI não tinha chegado a coisa alguma, dominada que foi pelo rolo compressor governista. Uma exceção foi o trabalho da Comissão de Ética do Congresso, que, convencido da culpa dos mentores do crime, cassou-lhes o mandato parlamentar. Lula acusou o golpe, e teve então início o processo de desconstrução das denúncias. O presidente foi à TV, se dizer "esfaqueado pelas costas". Recitou a velha e surrada versão de que "não sabia de nada". E demitiu seu "primeiro-ministro", o até-então todo-poderoso Chefe da Casa Civil, José Dirceu, principal acusado de ser o cérebro por trás do esquema imoral e criminoso. Um só participante resolveu tentar negociar o preço de se livrar do processo mediante confissão: Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, que foi brindado com um Land Rover pelos serviços prestados ao esquema. Confessou seus erros, foi condenado a prestar serviços comunitários e resolveu a questão no barato, como se viu agora. Lula esperou passar a comoção do escândalo, que quase custou-lhe um processo de impeachment (não chegou a tanto, porque a oposição se acovardou, medrosa dos setenta e poucos por cento de aprovação popular do presidente), e uma vez esfriado, mudou sua postura até então contrita e desdisse o que dissera na TV alguns meses antes (algo perfeitamente normal no caso dele, que vive fazendo dessas coisas). Entrou em voga nas hostes petistas a nova tese de que não houvera mensalão algum, que era tudo invenção "dazelites" para desestabilizar o governo. Uma tese furadíssima, algo bem na linha de Chávez e companhia, mas que foi vendida pela cúpula do PT e comprada a preço inflado pela militância desprovida tanto de cérebro quanto de senso de ridículo. Lula, e depois Dilma, trataram de ir ajustando a composição do órgão que iria, no final das contas, julgar o processo, colocando no STF gente de sua confiança, ou que consideravam como sendo de sua confiança. Se o processo um dia chegasse a juízo, estava, como se diz na bandidagem, "tudo dominado". Os acusados se deram ao luxo de trazer troça com a denúncia apresentada pelo Procurador Geral. Houve que afirmasse que o "mensalão" seria "piada de novela" dentro de alguns meses. Nessa hora, o PT, mais uma vez, cometeu um grave erro de percepção. Confiante no seu "poder" dentro do STF, foi deixando de dar a devida importância ao processo, crente que ele se diluiria nas águas da prescrição, que não tardaria a ocorrer. Mas não foi bem assim que as coisas aconteceram, como se viu. O processo, lento mas implacavelmente, foi acompanhando a fila de processos na pauta do STF, até que, em fins do ano passado, foi entregue a um relator para análise. Que seria seguida por uma revisão, por outro Ministro. Coube a um indicado por Lula, Joaquim Barbosa, a relatoria. O PT respirou aliviado: "esse é dos nossos". Na pior das hipóteses, Barbosa terminaria seu relatório em meados de 2012, e o revisor, também indicado por Lula, Ricardo Lewandowsky, levaria mais um ano ou mais para fazer seu trabalho. Até lá, as penas estariam prescritas, e o processo seguiria o destino de tantos outros: o arquivo morto.

Mas Joaquim Barbosa não é feito da massa amorfa e maleável que Lula e companhia imaginam. Ele acredita que entrou no STF não por um impulso igualitário de Lula, mas por seus méritos, sua idoneidade e seu saber jurídico. Joaquim Barbosa, no exato instante em que sentou na poltrona azul do STF, deixou suas simpatias eventuais de lado, e passou a ser aquilo que desejara ser a vida inteira: um JUIZ, assim, com maiúsculas. Para julgar de forma imparcial, doesse a quem doesse, com base no seu saber e nos valores que todo juiz deveria ter: a imparcialidade.  A turma do PT demorou a perceber isso, e quando deu por si, Joaquim Barbosa havia feito seu relatório, e os indícios preliminares dava conta que ele seria implacável com os "mensaleiros". Instalou-se o pânico nas hostes petistas. O jeito era procrastinar o julgamento, tanto quanto fosse possível. Por sorte, o revisor era Lewandowsky, velho conhecido de Lula, companheiro dos tempos de sindicato em São Bernardo, vizinho e amigo da família da esposa do agora ex-presidente. Estava novamente "tudo dominado".  Lewandowsky cumpriu sua parte - pegou o processo e colocou na geladeira, num processo de revisão que poderia ser feito em semanas, levou meses. E teria levado muito mais, se seus atos não tivesse sido percebidos pela mídia e pelos demais membros do STF. O Presidente, Carlos Ayres Britto, aplicou-lhe um "pito", e o "companheiro" não teve como justificar mais delongas. Entregou na undécima hora, e mesmo assim o julgamento teve que ser marcado com um dia de atraso. Antes, Lula entrou em ação, daquele seu jeito truculento e atrapalhado de sempre: saiu a campo, para convencer os ministros do STF de que talvez não fosse uma boa ideia julgar o mensalão em 2012, que 2013 era melhor... Foi um escândalo, quando um dos abordados, Gilmar Mendes, resolveu que não aceitaria chantagem e botou a boca no mundo. Foi espinafrado pela claque desmiolada da tropa de choque comandada pelo presidente do PT, Rui Falcão, e quem publicou a notícia (Veja) entrou na mira dos engajadinhos do partido. Mas Lula nunca desmentiu o encontro, nem as afirmações de Gilmar Mendes do que havia sido conversado lá. Medo de haver mais gente que sabia da conversa, talvez...

Ao mesmo tempo, estourava o escândalo das relações promíscuas de um campeão da oposição, senador Demóstenes Torres, com um bicheiro goiano, Carlinhos Cachoeira. Esse mesmo Cachoeira já estivera envolvido em negócios escusos com aliados de conveniência do PT, como Waldomiro Diniz. Quem noticiou o escândalo? A Veja. A Polícia Federal divulgou interceptações telefônicas do contraventor com meio mundo da política e do jornalismo, incluindo o Editor chefe da Veja em Brasília, Policarpo Júnior. Foi o que bastou para a rede de intrigas do petismo encontrar outra vertente para explicar o Mensalão: era tudo invenção da mídia, da Veja em particular, junto com o PSDB, para derrubar o governo. Um "golpe". Claro que tais acusações não resistiram à mais superficial análise, mas os blogs sujos, e jornalistas cujas motivações vão desde o partidário até o pecuniário, montaram nessa fantasia e a tornaram palavra sagrada em suas publicações. Mais uma vez, a militância cega, surda e sobretudo burra, comprou sem examinar o conteúdo.

Um detalhe curioso aqui: se o PT tivesse deixado a Ação Penal 470 seguir seu curso normal, desde que deu entrada no STF, ele teria sido julgado ainda em 2011, e seus efeitos teriam sido diluídos pelo tempo até as eleições de 2012, onde teriam pouco ou nenhum impacto. Se tivessem ficado calados, deixado o processo chegar ao fim sem alarde, a repercussão também teria sido menor. E se tivessem deixado de contratar os advogados mais caros do país, teriam economizado alguns bons milhões, sem prejuízo algum (pois os tais advogados não adiantaram de coisa alguma!). O PT tem uma certa tradição de dar tiros no próprio pé, como se viu nas eleições desse ano em várias capitais importantes.

Por fim, chegou o grande dia, o início do julgamento, em 02 de agosto. E hoje, mais de dois meses depois do seu início, ela atingiu seu ponto culminante, com a condenação em última instância, inapelável, dos três principais operadores e idealizadores do esquema criminoso: Delúbio Soares, José Genoíno e José Dirceu. Este, a "eminência parda" que teve a arrogância de afirmar que "um telefonema meu É um telefonema". Vai ligar para quem agora, Zé? Caso seja efetivamente preso (o que ainda é duvidoso, sabem como é, isso AINDA é Brasil), será que poderá dar seus famosos "telefonemas" de dentro do presídio? Tão ou mais importante do que a condenação criminal dos mandachuvas, é o veredicto que se faz do partido em si, que, desde o início, encampou a defesa intransigente dos malfeitores, tornando-se, dessa forma, conivente, se não cúmplice, dos seus atos. E, evidente, faltou um personagem crucial no julgamento, aquele cuja participação efetiva no esquema foi agora denunciada por um dos condenados. Algo me diz que muito se ouvirá falar disso, em futuro próximo. Ou alguém imagina que Marcus Valério vai aguentar calado algumas décadas de prisão?

Hoje, o Supremo Tribunal Federal redimiu a alma e a esperança de milhões de brasileiros como eu, que ainda creem que o Brasil tem jeito, e que mais vale ser pobte e honesto do que poderoso e corrupto.

E por isso mesmo, "amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria". Obrigado, Brasil.

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