quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Os cupins do Jardim Botânico



O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma das mais belas atrações da Cidade Maravilhosa. Arrisco dizer que é a mais bela, infinitamente mais importante do que a estátua fincada no alto do morro do Corcovado. Sua história data da chegada da família imperial portuguesa ao Brasil, em 1808. Dom João VI desapropriou as terras em parte do contorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, para ali instalar o "Parque da Aclimação", para aclimatar espécies botânicas vindas do oriente. Dentre as primeiras espécies trazidas estavam as palmeiras trazidas das Ilhas Maurício, que se destacam por seu porte majestoso. São as palmeiras imperiais, que até hoje adornam o parque. Nesses 204 anos de história, o Jardim Botânico ganhou muitas espécies novas, um Instituto de Pesquisa, Museu, Orquidário e Bromeliário reconhecidos mundialmente. Possui ainda uma biblioteca com 66 mil volumes, sendo 3 mil considerados raros. Seus jardins e estufas possuem um acervo de mais de 6.500 espécies vegetais, de todo mundo. É um cartão-postal do Rio de Janeiro, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, desde 1937. Em 1991 a UNESCO deu-lhe status de Reserva da Biosfera.

O parque recebe milhares de visitantes, quase meio milhão por ano, vindos do mundo inteiro para estudar, conhecer, ver as atrações naturais e, claro para respirar um pouco de ar puro e passear em contato com a natureza, por seus 144 hectares, boa parte dos quais  impecavelmente preservados e mantidos. Para tal, cobra uma modica taxa de ingresso, além de contar com recursos do IBAMA, órgão ao qual está subordinado, e também com a generosa contribuição de empresas privadas e estatais, que ajudam a manter essa maravilha ecológica em plena zona sul do Rio de Janeiro, uma área urbana  com o metro quadrado mais caro do planeta.

Há décadas, o Jardim Botânico enfrenta um grave problema. Desde seu início, no século XIX, a administração do parque, num erro que teria graves consequências, permitiu que os funcionários morassem na área do parque, autorizando a construção de casas. Eram poucas, e considerou-se que jamais representariam uma ameaça à integridade do parque. Ledo engano. As poucas famílias, como sói acontecer sempre que o poder público se faz de cego, surdo e mudo, cresceram, se multiplicaram, se apossaram do espaço. Há trinta anos, eram pouco mais de cem. Viraram 300, 400, 500...600. Seiscentas. Uma área considerável do parque foi simplesmente invadida, e as modestas casas viraram um bairro, totalmente ilegal, construído dentro de um espaço que não só é patrimônio público, mas é um monumento tombado. Boa parte das casas estão em área de risco, com perigo de desabamento, no morro. Sucessivos governos foram indiferentes a esse descalabro, valorizando mais os votos que obtinham dos moradores, do que o patrimônio que lhe cabia cuidar. O tempo passou, e surgiram os famosos "direitos adquiridos", através dos quais o moradores se diziam não só habitantes precários, mas verdadeiros donos das terras, num ato de grilagem histórica. Se fosse para remover, a indenização teria que ser pelo preço do metro quadrado na Lagoa, em valores astronômicos. Para evitar o enfrentamento, o governo federal tergiversou, e acabou "deixando para lá". E a comunidade cresceu, e trouxe consigo os problemas típicos de um assentamento sem lei nem normas. O rio Macacos, que corta o parque, foi poluído. áreas do parque viraram estacionamento de carros dos moradores. A violência se fez presente.

Por fim, houve uma reação. A Advocacia-Geral da União, representando o patrimônio público, entrou com Ação de Reintegração de Posse, que transitou em julgado e teve sentença favorável à remoção dos invasores. Mas... a reintegração nunca foi executada. Sob o comando do PT, até mesmo o diretor-geral do parque admitiu entregar, de mão-beijada, parte do patrimônio aos invasores: "Como parte dos imóveis não é de interesse do Jardim Botânico, estamos dispostos a fazer concessões".  A Secretaria de Patrimônio da União, que, a princípio e por princípio, deveria lutar pela preservação do espaço público, lançou se na Justiça para barrar as mais de 200 ações impetradas pela AGU, já julgadas em última instância, e que ordenavam a desocupação. Distribuiu-se um "documento" às famílias com a afirmação de que  a área invadida "está em processo de regulamentação fundiária", algo tão descabido quanto ilegal. Chegaram a pensar em transformar a área em quilombo, como se lá tivesse sido um quilombo em algum momento da história. Imagine se poderia haver um quilombo a menos de cinco quilômetros da Quinta da Boa Vista, palácio do Imperador?  A justificativa da SPU é um espanto. "É nossa função social destinar terras públicas às famílias carentes", disse a responsável no SPU pelo imbróglio. Era o proselitismo político petista, como sempre lesivo aos interesses do Brasil.

Em 2011, enfim, houve progressos. A Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Botânico, entidade civil que agrega pessoas que querem ver o parque cumprindo sua verdadeira função, denunciou a ação deletéria do SPU ao Tribunal de Contas da União, como lesiva aos cofres públicos. A ação foi julgada procedente, e portanto os invasores tem que sair. Mas quem os obrigará a tanto? 

Enfim, é uma briga judicial que, aparentemente, está longe do fim. Enquanto isso, as construções seguem se multiplicando, ocupando cada vez mais o espaço que deveria ser de todos, mas que vem sendo privatizado com a complacência dos ineptos e mal-intencionados.

A esse respeito, cabe aqui mostrar um vídeo de uma sessão da Câmara dos Deputados em Brasília, com o discurso do Deputado Edson Santos, do PT (por que será que eu não fico surpreso com esse fato?) No discurso, o deputado, que já morou na área invadida, e tem a irmã como presidente da associação dos invasores, defende, pura e simplesmente, a inutilidade do Jardim Botânico. Afirma textualmente que o Rio já tem parque demais, e que o Jardim Botânico quer ser um novo "Central Park". Por ele, arrancavam-se as palmeiras imperiais, os jardins, o Museu e demais preciosidades que fazem parque do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e plantava-se lá uma favela, talvez porque, na visão do "representante do povo", uma boa favela é mais proveitosa do que um parque de inestimável valor ambiental, urbanístico e cultural.  Certamente é para a família do deputado, que mora lá, e para ele mesmo, que obtém seus votos por lá.  Confiram aí o discurso. É de lascar. 



E ainda tem gente que vota nesse tipo de político? 

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