quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Os "Espertos"


Todo mundo já passou por essa: fim de tarde, trânsito pesado na estrada. Aos poucos  a velocidade vai caindo, depois de alguns quilômetros vira uma procissão a passos de cágado. Mais uns metros, e a coisa simplesmente para. Anda uns metros, para de novo... a gente fica ali, na direção, imaginando o que poderá ter havido lá na frente, acidente, obras, blitz... A paciência vai minguando, mas não tem outro jeito, liga-se o rádio e adota a máxima da ex-prefeita de São Paulo: "Relaxa e goza".

Pelas tantas, olha-se pelo retrovisor da direita, e lá vem um carro. Não, não é da Polícia Rodoviária, nem é ambulância. É um carro comum. A seguir passa mais um, outro, uma sucessão de "espertinhos" que saem ultrapassando a todos, pelo acostamento. Proibido? Lógico. São 7 pontos na carteira, e mais de quinhentos Reais de multa. E quem se importa? Os espertos vão passando alegremente, solenemente se lixando para a fila parada à sua esquerda, repleta de "otários", que teimam em manter um comportamento ético mesmo numa situação calamitosa. De vez em quando um dos "éticos" se rende à esbórnia geral, dá seta à direita e sai ultrapassando, misturado aos demais transgressores.  

Lá na frente, um carro parado, no acostamento. Não aguentou o engarrafamento e ferveu. O dono ali, desconsolado, olhando a coluna de vapor que sai de algum lugar no motor. Mas.. e os espertinhos? Ah, eles tem que voltar à pista, não é? Uns mais cordatos permitem simplesmente, parando seus carros para que os malandros ingressem na legalidade, que dura apenas até que ultrapassem o obstáculo. Em seguida, os "espertos"voltam ao acostamento, e à baderna. Ao parar para deixar o cretino entrar, cria-se uma onda de paradas ao longo da fila, por quilômetros. Ahá... está aí o motivo do para-e-anda. Outros, mais aborrecidos com a fuzarca recusam-se a deixar o cafajeste da estrada entrar, e são pressionados. O outro vem chegando, apertando, seta ligada... ameaça bater, e aí vale quem tem mais determinação e coragem. Muitas vezes sai xingamento, até brigas de tapa. Num extremo, até tiro.  

Finalmente, chega-se ao causador do tumulto: um acidente, felizmente de pouca monta. Nada que pudesse justificar duas horas de inferno. Na verdade, não levaria mais do que dez minutos para o tráfego fluir normalmente... mas a ação dos "Gersons" da estrada é a raiz do problema todo. Passa-se o evento, e a viagem segue.

Dá uma raiva, não dá?  Quem, nessa hora, já não ficou torcendo loucamente para ter um policial rodoviário ali na frente, multando e retendo todos os "espertinhos"? Ah, seria a glória, passar e gritar algo obsceno para um sujeito desses, ao vê-lo ali, entregando documentos para o agente da ordem e da lei. Uns vão mais longe, e imaginam-se os próprios policiais, em pensamento fantasioso. Poucos almejam a carreira policial, mas o que tem de gente que daria um dedinho para ser um policial numa hora dessas, é brincadeira. Na vida real, a gente sabe que as coisas são bem diferentes da fantasia utópica da punição aos malfeitores. Nunca vi alguém ser surpreendido por um policial num lance desses. Parece que nessa hora os policiais decidem todos ir tomar café. Não aparece um. E os malandros "se dão bem", e nós, pacatos cidadãos seguidores da lei, nos danamos. É... o mundo não é como a gente quer mesmo.

Escrevi essa historinha, tão comum no dia-a-dia, para ilustrar o meu sentimento em relação ao julgamento do Mensalão, ora em curso. Ao ver os peixes graúdos da corrupção e sem-vergonhice política brasileira sendo condenados, um a um, no plenário do Supremo Tribunal Federal, a sensação é semelhante à hipótese de vermos, bem no meio daquele engarrafamento todo, um carro azul e amarelo da Polícia Rodoviária Federal, com um monte de policiais, todos de bloco na mão, multando, apreendendo e principalmente parando aqueles "espertos" que acham que o mundo é dividido entre eles, que podem tudo, e os otários (nós), que temos que seguir as Leis. A sensação é indescritível. Fervor patriótico? Não... não é por aí.. muito embora o meu amor pelo Brasil se sinta recompensado quando vejo os canalhas do dinheiro público recebendo, enfim, o carimbo de "condenado". Eu diria que algo mais interno, que vem das tripas, uma sensação de justiça, que dilui a sensação normal que temos de total impotência diante do crime em geral. Está certo que um e outro "policial" prefere fazer de conta que não viu nada, mesmo com os carros a lhe passarem por cima das botinas ali no acostamento. Ora, tem bons "policiais" e tem policiais que tem, para ser bem explícito, sua própria agenda. Os que acham que pode haver corruptos passivos sem que haja a contrapartida ativa e, pior, aqueles que mesmo cansados de saber QUEM comandou o esquema, quem o idealizou, autorizou e arquitetou, desprezam a Justiça em favor de "provas materiais", como se canalhas espertos deixassem impressões digitais dando sopa por aí. Será que o ministro Lewandovksy acredita piamente que um idiota útil como Delúbio Soares, um borra-botas do partido, tenha, por si só, engendrado o maior esquema criminoso de compra de apoio parlamentar com dinheiro roubado dos cofres da União, de que se tem notícia? Crer nessa hipótese transcende a fronteira do risível, e adentra o terreno perigoso da "agenda", ou pior, do direcionamento de um juiz da Suprema Corte por militantes de um partido eivado de corruptos. Daqui para frente, quem dará crédito a Ricardo Lewandovsky? Quem acreditará na isenção de Antonio Dias Toffoli? Esses dois ficarão carimbados como paus-mandados do partido que lhes colocou no STF. Não serão levados a sério por ninguém. O Ministro Joaquim Barbosa é o nosso xerife, implacável, durão, que vai logo tomando documentos e preenchendo talonários sem fim de multas astronômicas, que é pros criminosos não se meterem a besta. A maioria do Tribunal o acompanha, uns mais duros, outros mais ponderados. Há dias, o decano do Tribunal, Ministro Celso de Mello, proferiu a frase que ficará para a história em relação ao Mensalão: “Quem tem o poder e a força do Estado, em suas mãos, não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida pelas leis da República.” Em suma, o Ministro deu um "basta" à safadeza dos que acham que podem ultrapassar pela margem da lei: "Não, vocês NÃO podem!"

Me senti como o motorista que enfim vê o trânsito fluindo, e mais, observa trinta e tantos carros ali parados, fora da pista, seus donos em volta, uns desconsolados, outros bradando juras de vingança contra o efetivo policial que, até que enfim, acabou com suas estrepolias. Passo a sorrir mais, ao ver tudo aquilo. 

O Brasil vai ficando mais bonito.



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